A Numen

Filamentos amarelos das raízes alcançam

A esfera no Jardim das Delícias Terrenas;

Nas flores: as asas das abelhas

Provocam sensações amenas.

 

Paraíso e Inferno e Terra

Em tão colorida cornucópia,

Em fertilização, semear e arrancar

É o que os poetas fazem.

 

Seu verso floresce na palavra.

Que mantém seu coração mudo.

Seu poema escorre com a luz

Escurece e morre como a vela da paixão.

 

Espalhe a notícia pela terra

Tórrido, ignoto;

Tórrida tua sede sobre o turvo vítreo da boca;

 

Palavras que sonhei encarceradas emergem diante da inaudita absorção:

Espinheiros; Coágulos;

 

Ressurgindo dos pêsames vem caindo um rio de arrebatamento

Reinventando pedra;

 

Retornam as seduções, os desejos;

Retorna a minha própria boca desejada pela fundura da tua boca;

 

Uma parte ecos, vão e abismos, a outra parte o que não sinto mais:

Imortalidade; e volta o borbulhante comichão

 

Os suores, o tônus, o verniz, o desperdício que se tornou essa contenda

Na tua cama cravejada de punhais;

 

Vindo desse poema, e da minha própria profusão

E virilidade, há de permanecer dentro de ti um luto liquoroso;

 

Acrescentarás: “que momento doloroso e intelectual

Quando sonho o poeta na Casa; Sangue e pó;

 

O hematoma,

Transpirando fagulha.

Gueto

Meu amor está chegando em um cálice de sangue do Vístula.

Chopin ou Polanski que diferença faz agora?

Cornucópia alva rubra vítrea sobre o terreno

e sempre as mesmas lentes

nos mesmos olhos de âmbar

refletindo meu eurófilo espírito

brilhando nos orvalhos de Katyn;

 

A Szymborska do sofrimento indelével polonês

ela está sangrando pelo nariz?

 

 

Basta um poema

Basta um poema, entre tantos milhões de poemas no meio,

Estrofe solitária?

Um abraço que se separe e que tanto desligaria

O foco de luar apertado entre os teus seios.

 

Nesta estrofe só permanece angústia a apagar

Um desejo de luz solitária,

Um mastro que se vergue; até que a calmaria

De todos os versos me liberte.

 

Poema de lisura e de paz sem entraves

Rimas delicadas e suaves

 

Na página em branco te amaria

Lírica Maria.

 

 

Ímpar

Um poema ímpar épico de exteriores

Hermético, amarelo ser

No cristal dos meus olhos contempladores:

 

Sempre aqui

Sempre ali.

 

Um poema claro de pétalas afiadas

De resquícios de brancas mãos

A boca amplia seu dever extenuada:

 

Sempre aqui

Sempre ali.

 

Um poema compulsão

Asco e hábito

Procedente de uns musgos

De desilusão.

 

Coração partido

Campanários

Sino-vício

Um poema ímpar num ressoar límpido:

 

Sempre aqui

Sempre ali.

A poesia

É afiada e decepa com sua mão-tesoura;

Ama mas castra;

 

A poesia é jorro rubro e fel e absinto;

É aveludada e tem unha

E chupa teu empenho

Engole teu gozo

Se tens fome,

Lambe tua carne

Se tens sede,

É mel e sinto;

 

Tem nônuplas cabeças

Te envenena o ar;

Poeta não te entristeças

Enquanto agonizas para criar;

 

É sonho, musa e flor;

 

Ama; pode ser charmosa

Como uma francesa;

É sedutora; carinhosa;

 

Invariavelmente fatal;

É mulher.

 

 

 

 

 

O atirador

Há poesia sem falsidade

Que possui uma letalidade

Pode alvejar uma inocente mulher;

Dispara seus fatais versos

E volta a emudecer;

Mas quando leu

A condenada percebeu,

Em dia de feriado,

Algo penetrante

Em seu corpo desgastado;

Onde quer que corra a lua ofegante;

Onde quer que deite a noite;

Há o seu impacto silencioso;

Há o nosso gozo!

Salve o mais preciso atirador!

O tiro mais certeiro!

No amor

E dor parceiro

Belo alvo do sentimento

É o coração ” lamento! ”

 

 

8 de março

Amarelo; sim, o amarelo; e nesse amarelo o toque de ouro, ondas invisíveis de calor

singrando um mar de ar, como se na ideia do aquecimento o corpo sobrepujasse o

congelamento cardíaco de qualquer momento de tristeza; receber sol; e assim abraçar

seja o que for que sentimos, como se não fosse nada além da ideia de algo que perdemos

dentro de nós; comecemos então a lembrar o lago espelhado, lisura que reflete as

estrelas, peixes sedimentados pela concretude da água, e assim até a maior das

Vitórias-régias, revelando o que flutua inerte dentro de nós, como se por causa desse

amarelo-esverdeado pudesse haver esse ouro-negro que brilha, miraculoso e múltiplo

hoje, por este, o mais imóvel dia do verão; peixes dizem este contexto, definem onde os

quatro elementos irrompem nesta profusão de acasos, fortuitas forças de nossa falta

de saber o que é o que sentimos, e meramente escrever isso é perceber como nossos

sentidos nos falham, como nada sai bem ao escrevê-lo, nada sei, nem este poema que sou

compelido a escrever em homenagem a esse amarelo e ouro que refulgem no ar

do verão; impossível ler agora; o olho para sempre nos afasta de onde estamos, e em

local algum podemos admirar as coisas que nos é dado ver, pois cada palavra é outro

local, cada verso é outro dia, a poesia se move mais rápido que o olho, até como se move

este beija-flor, encostando no rosto que não tem boca; portanto, creio em nada que este

poema possa te dar, e ainda assim posso senti-lo escrevendo através de mim, como se

apenas isso fosse tudo o que desejo, esse amarelo e esse ouro, e como esse amarelo

transformou-se para mim na essência desse ouro, e muito mais que o puro vê-la bela

alma, quero que sintas esse poema de amor que resplandeceu dentro de mim durante

todos os oitavos dias de março, esse desejo de nada além do próprio dia, e como

floresceu dentro de meu peito, mais belo que o brilho de que é feito, como se jamais

pudesse existir outra realidade que me abraçasse sem sufocar.

Lá não

Fiques certa que não me encontrarás lá onde os condenados executam os absolvidos;

Me encontres em volta das grandes nuvens, dentro dos pequenos suspiros, na crista

Das dunas, num coração incendiado, entre girassóis e margaridas, nos vinhedos,

No mosto ou nadando com os peixes ou refletido num outro olho, abrindo-se pela

Primeira vez;

 

Cor, luz, sal, lágrimas da vida; me encontres lá;

Amando.