Amanhã entre as dunas

Você diz sempre que a vida é recompensadora e que o trabalho enobrece sendo

interessante e isso me faz sentir deveras deprimido, como ler as notícias sobre

o Brasil faz; eu sou terrivelmente realista

de vez em quando é como ver o nascer do sol

algumas vezes, mais comumente, é como ter uma síndrome ainda não diagnosticada

só Deus sabe se não há relação com a alma

se não há relação com destinos mais suaves que o meu

sim, isso talvez seja um pensamento ilusório

mas como pode alguém se iludir mais do que consigo mesmo?

Como alguém pode ter a ilusão de ser?

Você me emprestaria aquela sua corda de escalada?

Sim, a amarela por favor

somente a corda pois tenho onde pendurá-la no meu quarto

se você não pode ter significado pelo menos você pode ser um ícone

mas Eu abomino essa merda toda.

 

 

” Eu estava procurando por um trabalho

e então Eu encontrei um trabalho

e o céu sabe que sou um miserável agora

por que devo dar valioso tempo para

pessoas que não se importam se Eu vivo ou morro.”

Heaven knows I’m miserable now, The Smiths

 

Mítico

Cruel é o amor; venda nos olhos aveludada com espinhos;

Nele mergulho: preamar noturna gelada;

Cruel e irônico é o amor; como o olhar do torturador;

Mordo-o na anemia labial, escarlate, molho-te os ombros,

Amor, molho-me no vasto-demasiado do meu coração,

Molho as nervuras das carnes, meu amor, tuas mãos invernais,

Minha testa febril; e desfilamos com escudo e elmo pelo quarto

Solares, estoicos, esguios de ossos e membros;

O amor é cruel; esfomeado como os dentes da piranha;

E pode ser tão sacro e bondoso: lágrimas, lagos, vinhos;

O amor é fluido.

 

 

Lançar

Saudade possui um começo e um fim;

Parecida com uma ponte;

Possui um vão livre também

Para o (se) lançar no horizonte.

 

Além das vigas de ferro mais resistentes

Que os operários fixaram;

Olhe para elas por suas flexões

Ainda não nos dimensioram.

 

Quem não encontrou o Inferno; acima;

Irá se perder abaixo;

Pois anjos atravessam a nossa ponte abandonada,

Onde não me unes e não te encaixo.

 

 

Honoris causa

Honoris causa do invernal

Uma eminência faz

Da chuva; Branco; e indícios

E um falso calafrio capaz

 

De enganar sem admitir;

Uma mentira fervente

Que faz o puro coração acreditar

E virar advogado.

 

 

” O advogado é a consciência alugada “

Dostoiévski

 

Volúpia de desespero

E depois nos acasalaremos de dorso: as nucas salínicas, omoplata, vítreo torso;

Mas antes o reverso de tudo: nossas máscaras espelhadas, bocas, peitos pontudos;

 

As grandes direções extraviadas e dormentes na minha língua pálida;

Colados; eu e você; dois punhais perfurando a mesma nuvem;

 

Duas barbatanas cortando os ares; e sempre os mesmos questionamentos; colados;

Dois satélites, cálculos, equações, dois sentidos à procura de uma divindade;

 

E os mesmos questionamentos no eterno, no gelatinoso momento;

Sim amor, duas gargantas, dois pedidos, o mesmo grito de socorro por nascer, morrer;

 

Duas incisões,

Duas proezas; e um só ser.

O lastro

De uma pedra apalpada à próxima pedra classificada: ergodicidade: intransponível gelo;

Tu sonharás aqui, uma mente escorada na pedra, voando por esta ruína eterna que

Observa o tempo que a consumiu; tu iniciarás; a exumar teu corpo do pó; a carregar

O lastro das lágrimas.

Comemoração

No interior do prisma torno-me fragmentado;

Busco o coração me estilhaçando;

Giselle não vê que o amor se colore

Aqui no seu interior e me ilumina

Colorindo, corante, lá no meu exterior;

Giselle tem se colorido de mim;

Tão viva como se o arco-íris

Já se pintando procurasse a água

E como se o sol todo iluminado

Procurasse o fogo;

Girassóis Giselle, girassóis!

Comemoremos apenas por estarmos

Vivos!

Vivos Giselle, vivos!

A que todos os outros veem

Desatentos, e nós como amantes

Nos visualizamos estarrecidos

Esfomeados e florescentes

Perante este milagre;

Giselle, vívidos, comemoremos;

Ao mestre dos mestres, o gentil

Homem-amante pede amor infinito,

Razão da virtude, mesmo que aos

Vossos olhares tais bênçãos se assemelhem

A todas as miragens românticas inaceitáveis;

Porém o áspero em nós se faz macio,

Porque a mulher se faz sagrada;

Beleza mais sublime é beleza palpável,

Se no pedestal em que vive, a envolve

Nas noites o manto sedoso da paixão;

Estamos envolvidos Giselle

Pelo envoltório cristalizado do amor;

Em nós refletem, Giselle, as oblíquas

Convergências; unimo-nos, abracemo-nos,

Beijemo-nos; comemora!

Pois vivos ainda estamos.

 

 

 

Amor fati

Tudo morre: essa víbora cabeçuda,

Criatura avérnea, herdeira do profano

Tudo ao pó reduz, grito desumano

Com pustulenta voz a palavra cabeluda.

 

Oh mortal desesperança, horrenda e muda,

Em terrível silêncio do piano!

Oh propagandas da morte! Oh eterno engano!

Sim é verdade, morre tudo: dor aguda.

 

Eis o nosso sofrível destino;

Assim determinou quem o Logos comanda:

Chega! Amor fati ao poder divino!

 

Cerceia os passos, errante, anda;

E na lápide do triste Justino

Escreve o teu vazio, o que tu és debanda.